Lar doce lar

Sentados em cadeiras ou chão. Amontoados em cantos ou andando a deriva. Falando para alguém ouvir ou para ninguém escutar. Dividindo quartos com camas feitas de cimento, com pobres colchões em cima. Separados por alas (ou seriam celas?): idosos e não violentos; violentos e loucos; acamados e semimortos. Cheiro de urina, suor, remédio, fezes, mau-hálito, chulé, o cheiro pútrido da loucura e do esquecimento. Os murmúrios, as risadas descontroladas, gritos, as vozes trêmulas, as mãos trêmulas, os passos vacilantes, mancos, a pele manchada, enrugada, os olhos lacrimejantes e a baba em uma boca sem dentes. O sino, a música toca, e como bem treinados que são eles se dirigem para o abastecimento nutricional diário. Mas ei, aquela roupa com ele não foi a roupa que ontem outro usou? Tanto faz. Trivialidades. Sem escolhas, sem identidade.

Eu paro, tocada por uma mão pequena, com unhas sujas, comidas: “Você tem mãe? Que benção! Cuide de sua mãe, não deixe ela aqui! Eu tenho um filho, fazendeiro, muito dinheiro e me largou aqui, com minha filha. Eu vim só para ficar um pouco, mas já tô aqui a dois meses. Ele não vem. Não faça isso com sua mãe.” Não, eu não farei isso com minha mãe.

Não é uma imagem tirada de um filme, não se passou em alguma cidade que você apenas conhece pelas notícias na tv, na internet, nos impressos. Essa é uma história da porta ao lado.  Sem delongas sobre o porquê eles estão lá. O fato é que estão lá, e muitos ficarão lá até morrerem. Provavelmente isso nada tem a ver com a sua vida, nem com a minha, a idosa da minha família é muito independente mesmo na idade de 87 anos. Os loucos da minha família não estão jogados na rua.

Que coisa que ainda me choco, que lágrimas de frustração me enchem os olhos, raiva me consume por esse Estado que se omite e permite a terceiros fazerem o que bem entendem. Que idiota eu sou por me revoltar com a instituição que ali julga quem deve ou não deve sair. Boas intenções, bom trabalho, prestígio social, caridade, amor… São tantas as palavras de idolatria para um local que só tem um nome: manicômio.

Mas cale-se! Se você não tem uma solução não deve falar. Se não temos escolha, o jeito é recolher e esconder o lixo que contamina nossa família, nosso bairro, a nossa cidade. E o Estado é um fantasma que alguns atestam terem escutado Ele dizer amém.

Prisões do "bem"

Prisões do “bem”

Classe Média rondonopolitana – Parte 2

Dica 06 – Ser maníaco
Como se sabe, a Classe Média rondonopolitana tem muito amor e exalta a cidade de maneira ufanista. Esse sentimento de adoração à Rondonópolis deve ser expresso nas frases: “a cidade que mais cresce no Centro-Oeste”, “A melhor cidade do Mato Grosso”, “Uma das cidades mais importantes do Brasil”, “meus amigos são os mais loucos” e o romântico “O céu mais bonito que eu já vi”.

Dica 07 – Conhecer pouco a cidade
Para ser um autêntico rondonopolitano médio classista, é necessário conhecer pouco a cidade. Faz parte da conduta do rondonopolitano, conhecer apenas o eixo centro-lions. Por isso, mantenha-se longe de regiões onde não é possível encontrar fotógrafos de baladas e tenha pavor a Vila Operária.

Dica 08 – Camiseta de time
Há um deleite aos membros da Classe Média rondonopolitana: desfilar na Avenida Lions Internacional com camisetas de times de futebol. Não deve ser de qualquer time, o supra-sumo do exibicionismo deve estar relacionado aos times paulistas, sulitas ou cariocas. Camiseta do União de Rondonópolis também é aceitável.

Dica 09 – Grupos de oração
A Classe Média rondonopolita é cristã, porém não basta só acreditar em divindades, é obrigatório pertencer a grupos de orações. Para a Classe Média, todos os lugares devem ser palco para a reunião de louvores, seja em salas de aulas ou cantinas de universidades ou até mesmo nas ruas e é necessário utilizar todos os dias, uma camiseta que tenha alguma referência ao grupo de louvor.

Dica 10 – Festa Openbar
A maior alegria e a única cultura presente na civilização rondonopolitana é a festa Openbar. Para legitimar o título de Classe Média rondonopolitano, torna-se obrigatório a participação em festas que se enquadram nessa categoria. Não importa se a festa será sob um sol escaldante e nem se o ingresso está a preço abusivo, a satisfação consiste em curtir a “vibe” com muito suor, caneca de plástico na mão, óculos de besouro e música de qualidade duvidosa.

Classe Média rondonopolitana – Parte 1

Seguindo as bases do divertido blog Classe Média Way of Life, elaborei um guia prático do comportamento da Classe Média rondonopolitana. Em breve, postarei a segunda parte deste guia.

Dica 01 – Amar Rondonópolis
Para ser um classe média rondonopolitano, você precisa amar Rondonópolis. Não interessa para você, se a cidade está desconectada de todos os circuitos culturais. Ignore todos os problemas da cidade e o pragmatismo leviano, aliás, devem ser vistos como “meros aborrecimentos”.

Dica 02 – Ter raiva de Cuiabá
A classe média rondonopolitana, deve obrigatoriamente ter inve… Opa, ter raiva de Cuiabá. Durante conversas, defenda Rondonópolis a todo custo com argumentos românticos sobre a cidade. É necessário também, criticar e culpar Cuiabá por todas as mazelas do mundo. Como golpe de misericórdia, diga firme: “Cuiabá é muito quente, em Rondonópolis pelo menos venta”.

Dica 03 – Beber tereré ou fumar narguile em espaço público
Não existe nada mais classe média rondonopolitano do que beber tereré ou fumar narguile em locais públicos. Os locais mais indicados, são as praças. Mas não qualquer praça, é necessário consumir na que tenha visibilidade, como as da Avenida Lions. O médio classista deve também, reunir com o grupo em alguma calçada e ignorar a presença de pedestres de classe inferior.

Dica 04 – Cair no samba
Existe uma regra na classe média rondonopolitana: dedicar as quintas-feiras para o samba. É necessário amar o Samba (apenas nas quintas-feiras) e avisar a todos (apenas nas quintas) que o samba é maravilhoso e que você adora sambar. É irrelevante saber a importância de Nação Zumbi e Jorge Ben-jor para a música brasileira, a regra consiste apenas em estar todas as quintas, de maneira religiosa, no samba.

Dica 05 – Posar ao lado da placa de vidro
A Classe Média rondonopolitana tem muito orgulho das casas de shows da cidade. O Médio classista reacionário que se preze, deve posar para fotos ao lado daquela placa de vidro da casa de shows sertanejos. Para a foto ficar impecável, é necessário ter algum símbolo de sites que registram baladas.

Cidade Cinza

Nesta época do ano, pelo fato de encontrarmos espalhada por Rondonópolis uma nova tonalidade de vermelho, a do fogo, a cidade se torna progressivamente mais cinza, à medida que a fumaça cobre o céu, aumentando ainda mais a sensação de calor, e diminuindo drasticamente a umidade do ar.

Todos os dias, vemos notícias em jornais e na televisão dizendo que aumentam a cada ano o número de queimadas no município. Com a tendência mundial de aumento da temperatura e divulgação dos malefícios da poluição, era de se esperar que todos se conscientizassem sobre a importância de preservar o meio ambiente, evitando causar queimadas, e cortando menos árvores.

Porém algumas pessoas continuam queimando terrenos públicos ou abandonados, mesmo durante o inverno, estação mais seca na região, o que prejudica seriamente a saúde de toda a população, e não traz nenhum benefício, nem mesmo àqueles que atearam o fogo. Por isso, me pergunto: o que essas pessoas pensam quando cometem esses crimes? Talvez seja melhor não saber a resposta.

É importante lembrar que isso só ocorre devido à certeza de impunidade para quem provoca incêndios, pois a fiscalização pública é sabidamente deficiente. Por isso, os cidadãos não podem deixar de denunciar aos órgãos competentes, como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e aos bombeiros, sempre que encontrarem um foco de incêndio. Se cada um de nós agirmos auxiliando os fiscais, com certeza não estaríamos na situação crítica em que estamos hoje, com temperaturas constantemente acima de 40 graus, o que há alguns anos seria considerado impensável para esta época, e a umidade do ar chegando a 10%, muito abaixo do mínimo necessário.

Infelizmente, em vez de ajudar, muitas pessoas agravam o problema, cortando dezenas de árvores por toda a cidade sem o menor motivo, ou ainda por motivos fúteis como melhorar a aparência de suas casas, usar a área onde a árvore se encontrava como estacionamento, entre outros absurdos. É inconcebível que essas pessoas não saibam, mas caso exista alguém tão desinformado, são justamente as árvores as principais responsáveis por manter a umidade do ar em níveis aceitáveis, além de proporcionar uma sombra, para que possamos evitar a exposição excessiva ao sol.

Se houvessem mais investimentos em educação, levando a preocupação com o meio ambiente para as comunidades carentes, além de uma punição mais severa para quem provoca queimadas criminosas, e a população evitasse cortar árvores, seguramente o clima não estaria tão seco, havendo um número muito menor de pessoas com problemas respiratórios, o que inclusive diminuiria os gastos com tratamentos de saúde, permitindo ao poder público destinar verbas para outras áreas que também são deficientes em Rondonópolis.

No futuro, este quadro poderia até se inverter, retornando ao clima que encontrávamos antigamente em nossa cidade, com temperaturas baixas no inverno e altas no verão, e não temperaturas altas no verão e ainda mais altas e com menos umidade no inverno, como ocorre hoje.

Do pouco que temos, ainda nos é tirado

O Governo do Estado de Mato Grosso em seu poderio representado pelo senhor governador Silval Barbosa (PMDB) mais uma vez provou o quanto se importa com os seus compromissos assumidos e com as ações que promovem cultura e lazer para os habitantes desse estado. O dinheiro acordado para a realização do Festival de Primavera em Rondonópolis para o ano de 2012 não foi repassado sob a alegação de que não tem o recurso, o absurdo valor de R$ 80 mil. Bom, vamos perdoá-lo, afinal, dias antes foi anunciado um pequeno aumento de R$ 60 milhões nas obras da Arena Pantanal para a Copa de 2014, um custo estimado no total R$ 519 milhões.

Ufa, ainda bem que temos governantes que incentivam a cultura em nosso estado e que definitivamente sabem quais as prioridades do seu povo. Obrigado senhor governador por nos provar o seu compromisso. Nos lembraremos de você (e de seu partido) em 2014.

Fontes:
http://www.noticiasdematogrosso.com.br/index.php?pg=noticia&intNotID=38912&fb_action_ids=395211807212496&fb_action_types=og.recommends&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582

http://www.portal2014.org.br/noticias/10573/ARENA+PANTANAL+RECEBE+ADITIVO+DE+R+60+MILHOES.html

*Créditos da imagem a Rodrigo Fernandes.

Eu queria, mas já passou o querer.

Eu queria que todo ano fosse eleições municipais. Sim, é magnífico o quanto se pode desenvolver nos dois meses que antecedem o pleito.

Eu queria sempre votar no candidato das promessas mais esdrúxulas e da musiquinha mais legal, pois são esses os que melhores sabem fazer obras as vésperas das eleições.

Eu queria estar feliz por que pintaram o meio fio da minha calçada que a muito tempo havia sido esquecido. Eu queria estar feliz com várias novas rotatórias na cidade. E os semáforos? Que alegria!

Eu mencionei sobre o galho no buraco, aquele do poema de Drummond? Pois é, o galho perdeu sua função. O buraco foi tampado, com terra vermelha, que agora assume a nobre missão de sobreviver aos carros e as intempéries da natureza…

Eu queria estar muito feliz, mas a la Raul, “eu acho tudo isso um saco”.

Eleições na Cidade Vermelha

À primeira vista, o assunto “eleições” pode parecer cansativo, pois infelizmente a maioria da população, não apenas de nossa cidade, mas do Brasil inteiro, trata este momento com indiferença, o que pode ser considerado como o maior erro a ser cometido em um país democrático.

Em Rondonópolis, com o recente aumento no número de cargos de vereador na Câmara Municipal, em decorrência do aumento populacional observado pelo último recenseamento, muitas pessoas que nunca tiveram funções públicas demonstraram interesse em concorrer a um destes cargos.

É certo que, como determina a Constituição Federal, todo brasileiro, no exercício dos direitos políticos, filiado a um partido, e com idade mínima de 18 anos, pode se candidatar vereador. Porém, e sem pretender desmerecer qualquer pessoa, vemos em nosso município pessoas das mais variadas classes sociais se candidatando, muitas vezes sem qualquer conhecimento do que faz um vereador, inclusive sem instrução alguma. De vendedores de amendoim a médicos, de padeiros a professores, todos almejam um cargo público, nem sempre buscando melhorias para todos os cidadãos, alguns procuram apenas ajudar a si mesmos ou pessoas de sua convivência.

Uma das características básicas de um vereador é que este deve atuar de forma desimpedida, sem favorecer ninguém, criando leis que beneficiem toda a sociedade. Ainda que sejam leis voltadas à determinada classe, profissional ou social, devem trazer benefícios à coletividade, indiretamente.

Infelizmente, temos diversos maus exemplos de leis que os atuais vereadores aprovaram, dois casos recentes são: uma lei de trânsito, que determina a obrigação do motorista parar seu veículo, sempre que o pedestre estiver na faixa apropriada, e fizer um sinal indicando sua intenção de atravessar; e outra que dispõe sobre o reconhecimento automático de diplomas de cursos de especialização realizados no exterior sem passar pela análise do Ministério da Educação, sendo necessária apenas a aprovação da própria Câmara, leis que são claramente inconstitucionais.

Caso aquelas pessoas que hoje exercem o cargo de vereadores tivessem um mínimo conhecimento de competência legislativa, estas leis não teriam sido criadas, nem mesmo um projeto seria feito. Embora a iniciativa de proteger os pedestres pareça louvável, somente a União Federal e os Estados têm competência para criar leis de trânsito.

Quanto à lei que dispensa a ratificação do MEC, além do município também não ser competente para legislar sobre educação, este instrumento normativo foi feito somente para tornar “legal” algo que vinha ocorrendo irregularmente: determinados docentes da cidade não têm condições de serem aprovados em cursos reconhecidos pelo MEC, portanto estes professores buscavam cursos de qualidade inferior em outros países, que não recebiam o mencionado reconhecimento.

Outras irregularidades criadas pelos parlamentares hoje em exercício são a criação do monumento bíblico pelo Sr. Cido Silva, mencionada em um texto anterior, e uma emenda absurda, também de autoria do vereador Cido, reconhecidamente evangélico, que destinou a considerável quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para duas festas de sua igreja, em clara violação ao princípio da impessoalidade na administração pública, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, além de ser uma ofensa ao artigo 19, I, também da Constituição, que veda a subvenção de cultos religiosos.

Mas não pensem que tenho algo contra os evangélicos, ou especificamente contra o Sr. Cido. Ele é apenas o vereador que comete os erros mais visíveis, com divulgação em diversas mídias. Podemos falar também do vereador João Gomes, que frequentemente deixa de comparecer às sessões da Câmara Municipal, por motivos tão despropositados como assistir a um jogo de futebol, o que demonstra bem a valoração feita por ele, entre suas obrigações e um divertimento temporário, e da criação de uma verba indenizatória de valor exagerado para todos os vereadores, aproveitando-se de uma época conturbada para a política municipal, entre a saída de um prefeito e entrada de outro.

Esta verba foi criada, conforme consta na própria lei que a instituiu, para compensar o não recebimento de diárias, passagens, ajuda de transportes, entre outras verbas. O valor a ser indenizado é de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais). Gostaria de saber que parlamentar viaja tanto assim, para gastar esse valor com passagens e hospedagem, e ainda consegue participar do mínimo de sessões obrigatórias por lei.

Nestas eleições, o povo de Rondonópolis deve ter consciência de todos os fatos narrados acima, e precisa considerar que seria melhor para todos nós se fossem eleitas apenas pessoas que conheçam as leis e tenham como prioridade a melhora da educação pública, com um tratamento mais digno a professores e alunos, e da saúde, não apenas destinando verbas para compra de aparelhos, mas também para contratação de mais médicos, pois a falta destes profissionais na rede pública é um problema ainda maior do que a falta de equipamentos.

Finalmente, é preciso que os vereadores eleitos respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos, e respeitem os limites impostos por lei a eles próprios, para evitar os abusos que sofremos hoje.

O Dia do Rock em Rondonópolis

 

A data 13 de julho é reconhecida mundialmente como o Dia do Rock, por isso diversas apresentações musicais são agendadas para esse período. Essa tendência também ocorreu em Rondonópolis. A jovem Associação de Rock e Metal de Rondonópolis (ARMERO) realizou uma festa chamada “Comemoração ao Dia Mundial do Rock”.

Apoiamos todas as formas de movimento contracultura, por isso fomos prestigiar esse evento incomum nos cenários urbanos rondonopolitano. A ARMERO inovou as festas Rock’n’roll em Rondonópolis e ofereceu o Palco Livre ao público, momento da qual os entusiastas tiveram a oportunidade de homenagear as canções que marcaram gerações ou a sua própria vida.

Além disso, a noite do Rock foi um momento de unir grupos e conhecer novas pessoas. Não havia apenas “roqueiros”, mas também fãs de Metal pesado, Reggae, Pop, Sertanejo. Essas pessoas viram nesse evento uma forma de fugir do cotidiano e possuíam o mesmo objetivo: se divertir.

Nós da Cidade Vermelha, sempre apoiaremos eventos criativos e democráticos. Acreditamos que a Cultura, a Música, todas as outras artes e movimentos não devem segregar classes ou grupos. A música é para todos e não só para um pequeno grupo financeiro.

A bíblia e a Maria Sete Volta

Recentemente, em 05 de abril deste ano, foi inaugurado em Rondonópolis um monumento, de cunho duvidoso, localizado no encontro das avenidas Fernando Corrêa e Presidente Médici. Trata-se de uma bíblia, criada através de um projeto de lei de 26 de outubro de 2010, de autoria do vereador Cido Silva, integrante da bancada evangélica na Câmara Municipal. Não pretendo, com este texto, criticá-lo com base em suas convicções religiosas, até porque nossa Constituição permite que qualquer pessoa professe a religião que quiser, pois o Brasil é um Estado laico, algo que nosso nobre vereador esqueceu. 

Para relembrar o senhor Cido Silva, Estado laico não é aquele que reprime toda e qualquer manifestação religiosa, muito pelo contrário, é aquele que aceita todas as religiões e as trata com igualdade. Contudo, onde está a igualdade em construir com verbas públicas uma imagem de um livro seguido somente por cristãos, quando temos, em nosso município, representantes de diversos outros credos?

 Não haveria qualquer problema em construir a mencionada bíblia, não fosse o fato de esta ter sido construída com dinheiro público, e em local igualmente público. O artigo 19 da Constituição Federal, em seu inciso I, determina a vedação aos entes da administração pública direta, como é o caso dos municípios, de custear cultos religiosos ou igrejas, entre outras condutas, exceto em casos de interesse público. É claro, não se pode interpretar restritivamente este artigo, para dizer que a proibição ao custeio seria somente em relação à construção das igrejas ou realização de cultos, mas sim a qualquer obra realizada por uma igreja, para benefício próprio.

 Penso que não se trata de interesse público, neste caso, pois apesar de ser uma obra da igreja evangélica, que tem bastante expressão em nosso município, ela desconsidera completamente as outras religiões presentes na cidade, principalmente aquelas que não seguem os preceitos bíblicos.

 É curioso que exista naquele local um monumento que, embora viole claramente um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, foi amplamente aceito pela sociedade, e muito próximo deste, fique outro, uma estátua denominada “Maria Sete Volta”, de autoria do artista plástico Armando Nunes Filho, construída em 1999.

 Esta outra obra, há tanto tempo em nossa cidade, foi alvo de duras críticas a partir do ano de 2003, inclusive tendo sido criado um projeto de lei para tentar removê-la do local. Já em 31 de janeiro de 2006, a estátua foi parcialmente destruída por uma mulher, que quebrou os dois braços da escultura. O que é irônico é que a “Maria Sete Volta” foi criada justamente para comemorar o Dia Internacional da Mulher, como forma de homenagear as mulheres da cidade.

 Tais protestos baseavam-se na alegação de que a estátua seria imoral, pois mostra uma forma de mulher com as pernas abertas. Ora, esta é uma obra em estilo cubista, na qual o corpo feminino é apenas sugerido, não havendo nada nela que vá contra a moral pública. Na realidade, algumas das maiores obras de arte do mundo são retratações de homens e mulheres nus, de maneira muito mais aproximada da realidade do que aquela que se encontra na Avenida Presidente Médici.

 O paralelo entre as duas esculturas traz um questionamento: ao invés de nos preocupamos tanto com ver algo ruim onde não há nada de errado, não deveríamos combater o mau uso do dinheiro público em todas as suas formas, como foi o caso da criação desta bíblia?

 Ainda poderiam ser escritas muitas páginas para falar de todo o desrespeito aos princípios básicos da democracia que ocorrem diariamente no país inteiro, e mesmo aqui na cidade. Mas espero que este texto sirva como incentivo às discussões necessárias sobre o quanto nós somos lesados por nossos “representantes”, com essa e outras ações, e talvez o povo de Rondonópolis deixe de aceitar tais atitudes.

Dia 21 de Junho de 2012 – 14:00 – Praça dos Carreiros de Rondonópolis

Praça dos Carreiros

O que dizer de quatro jovens da classe média, brancos, que tiram uma tarde de quinta-feira para fazer um piquenique com bolacha e suco em uma praça pública marginalizada? Quem são eles? O que pensam da sociedade e de si mesmos? Como lidam com seus preconceitos, com suas angústias e com suas ânsias de mudar a realidade em que vivem? Seriam hipócritas, ingênuos ou idealistas?

E o que dizer dessa praça marginalizada? Um local de invisibilidade para os cidadãos que transitam por ali, que evitam passar por seu interior, que receiam deixar seus carros estacionados ao redor da praça. A banalidade, a normalização, a discriminação. Éramos apenas jovens descobrindo a realidade da nossa própria cidade, desconhecida. Por que nos foi dito para nunca passar por ali de noite, nunca atravessar a praça, nunca olhar para os residentes da praça, nunca falar com eles. Ensinaram-nos que ali é um local perigoso.

Não somos ingênuos, hipócritas ou idealistas, somos alienados.

Rodrigo Fernandes

Ao chegar à praça dos Carreiros e perceber que não havia nenhum morador, inicialmente pensei que fosse por causa do horário cedo. Eu havia comentado “existe duas praças dos carreiros, uma do horário comercial e a outra, é o espaço mal iluminado e isolado durante a noite”.

Já com um canto que nos apropriamos, percebi também uma outra praça dos carreiros. Um ambiente agradável, romântico, pacífico, que apesar de estar no centro da cidade, não se ouve os barulhos e o caos do trânsito.

A medida como foi possível e tendo em vista que foi a primeira intervenção, conversamos com os marginalizados. Ao sair da praça, o meu único pensamento foi o desejo de ter feito um dia melhor para eles, ou ao menos ter diminuído o seu sentimento de inferioridade.

Jodson Magalhães

Estava ansioso, mas que o normal pelo fato de ir a praça dos Carreiros fazer um piquenique, não sabia o que esperar dos moradores que ali vive. Admito que estivesse um pouco de receoso e com  medo, mas quando cheguei a praça por volta das 13:45 horas reparei que algo estava mudado. Não vi os moradores do redondel da praça, vi que suas roupas e cobertores não estavam ali. No local havia muitas pessoas da prefeitura trabalhando na limpeza da praça.

Primeiramente pensei que todo o nosso plano estava acabado, não conseguiríamos mostrar os moradores daquele local.  O que teria acontecido? Onde eles estavam? Como estavam? Passaram alguns momentos ali percebi que as pessoas nos ignoravam era como se não estivéssemos ali, mais uma vez pensei que nada que planejamos daria certo. Observei que dois homens que pareciam algum tipo de fiscal da prefeitura estavam no redondel da praça, discutindo quem sabe melhorias para praça e seus grandes trunfos em expulsar os moradores de rua que ali estavam. Um dos moradores antigo se aproximou e um deles disse: “vai procurar um lote pra você carpir aqui não é mais seu lugar, ninguém mais vai fica aqui”. 

Tudo tinha ido para os ares toda minha motivação de estar ali já tinha acabado quando de repente surge uma menina e diz: “eai vei piquenique então”. A convidamos para se juntar a nós. Aproximou-se e começou a contar que ela cuida de carros ali na praça e pegava o dinheiro pra usar seu baseado. Ela nos pediu dinheiro, todos negaram e oferecemos bolacha e suco, mas ela não aceitou. Quando passou um homem todo de social com uma pasta debaixo do braço ela olhou pra ele e disse: “pessoal vo ir então já cortei a onda de vocês, to indo, será que ele quer me mata sei não, to indo”. Foi estranho, mas deste momento em diante começamos a achar que estavam nos observando. Esse homem da pasta passou pelo menos três vezes depois que ela saiu.

Começamos a imaginar que ele poderia ser da prefeitura e estava nos vigiando, e quando ele entrou em seu carro e foi embora apareceu outro homem também bem vestido mas com uma mochila nas costas,  e continuamos com a mania de perseguição, imaginando que aquele era outro fiscal da prefeitura. Esses pensamentos e sentimentos se mantiveram até a hora de ir embora.

Consegui ver outros personagens interessantes como os jogadores de dominó, que foram embora logo depois de serem abordados pela menina que esteve com a gente. Outro rapaz também se aproximou do grupou, mas antes de ir embora pagou lhes uma cerveja, um cigarro e ainda deu seis reais a menina. A senhora que tomava sua Coca Cola e fazia sinal de negação e reprovação ao darmos nossas bolachas a menina. Os dois estudantes que com um ato de coragem e curiosidade entrou no redondel da praça. Penso que eles nunca tinham visto antes o redondel da praça por medo. Medo que todos têm do desconhecido.

Nós, sem querer, fizemos parte do plano municipal de revitalização dos espaços públicos.  Foi totalmente frustrado nossos planos, mas tivemos outra visão, fomos tirados de nossa zona de conforto e ficamos ali marginalizados aos olhos de quem passava. Ficamos vulneráveis as nossas loucuras, ficamos a deriva, sem um plano, sem uma meta, apenas com suco e bolachas…

Gabriel Aguiar

Confesso que, antes de chegar à Praça dos Carreiros, estava quase me arrependendo de ter aceitado o convite de ir a praça, com medo de ser assaltado pelos moradores da praça. Mas, como a Vanusa pediu no facebook, resolvi deixar meus preconceitos em casa e ir. Ao chegar lá, fiquei muito surpreso, pois os poucos moradores de rua, ou usuários de drogas que estavam lá, que a prefeitura não conseguiu remover à força, foram quem nos tratou melhor. As pessoas comuns, aceitas pela sociedade, nos trataram com desprezo ou, no mínimo, com indiferença.

É verdade que aqueles poucos que se aproximaram de nós fizeram isso para pedir dinheiro para comprar drogas, mas não nos fizeram nenhum mal quando dissemos à eles que não tínhamos dinheiro, muito pelo contrário, uma mulher que nos pediu dinheiro ainda ficou por lá, contando um pouco da história de sua vida.

Também é importante falar da pressa dos funcionários da prefeitura em limpar aquela praça de tudo que indicasse presença de mendigos por ali, removendo uma grande quantidade de lixo rapidamente e colocando outros funcionários vestidos normalmente para fiscalizar toda a movimentação na praça, pelo menos foi o que nós imaginamos na hora, aquelas pessoas poderiam não trabalhar para a prefeitura, mas o modo suspeito como estavam agindo indica que sim.

Acho que não conseguimos alcançar nosso principal objetivo, que era dar voz aos oprimidos que deveriam estar ali, ouvindo seus motivos para estarem ali, o que a prefeitura faz de ruim para eles, e o que eles precisam para melhorar sua situação, se é que querem fazer isso, pois talvez eles estejam acostumados com a vida que levam e não tem vontade de mudá-la.

Para mim, o que mais se destacou foi o que eu disse no primeiro parágrafo, que aqueles de quem eu inicialmente tinha medo na verdade não fizeram nada contra nós, enquanto as pessoas em geral nos olhavam com desprezo por tentarmos ajudar os moradores dali. Eu pensava que os usuários de drogas eram os “monstros”, e a nossa visita me mostrou que na verdade os “monstros” estão dentro da sociedade, são todos aqueles que olham para as pessoas oprimidas com ódio e indiferença.


Comentem também os sentimentos que essa praça desperta em vocês.

Colunas Tortas

mais que uma opinião

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Ambrosia Cultural

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